Você sente medo de envelhecer?
Não estou falando de ter medo de ficar enrugada, ou sobre querer fazer Botox e usar todos os séruns existentes para evitar linhas e marcas de expressão, deixa isso para o próximo texto.
Quero falar sobre a falta de visibilidade que os idosos recebem, já parou para pensar nisso? Eu não, pelo menos não até esse ano.
Nascer é lindo e feio ao mesmo tempo, ser criança é uma experiência que pode te traumatizar de várias formas e ainda assim dar um jeito de deixar você vivo, a adolescência é um puta que pariu misturado caralho que transforma sua personalidade para o resto da vida, ser adulta (eu espero que não) é trabalhar e quem sabe tirar férias (de acordo com minhas pesquisas é só isso mesmo), morrer é esperado, pode ser doloroso e rápido, pode ser de repente ou devagar enquanto seu cérebro se esquece de você mesmo.
Mas e a velhice? E quando você é esquecido pela sociedade que você viveu a sua vida toda e assim que atinge certa idade, seus cabelos dizem que você é insignificante para a existência e seu único trabalho é não incomodar até que a morte venha te buscar. Será que um dos estágios finais da nossa vida é só isso? Esperar sentado tomando seu café até que a morte te pegue?
Na nossa sociedade somos mais do que substituíveis. Descartados e mudados de lugar como nossos chefes bem entendem, sinto que há dois tipos de pessoas que não existem para a sociedade, e elas são gravidas e idosos, curiosamente os dois costumam não trabalhar, estranho né?
Meu monstro embaixo da cama tem sido o fato de que pessoas idosas costumam ser deixadas de lado, esquecidas e descartadas mais rapidamente do que um pedaço de fio dental. E isso me assombra, talvez mais do que deveria.
Mas o que acontece quando elas querem ser vistas?
Há algum tempo assisti ao filme “Vitória” protagonizado por Fernanda Montenegro, (vou tentar ao máximo não dar spoilers).
Não irei me aprofundar na historia do filme, mas é um relato real de uma mulher que ajudou a prender chefes de uma quadrilha no Rio de Janeiro com seus vídeos e muita coragem. Uma verdadeira heroína.
Em meio a todo o caos do filme, aos tiros e toda a revolta, as interações da “Vitória” com outros personagens me chamaram mais atenção do que os momentos de tensão presentes no filme. Nos primeiros minutos do filme a interação dela com um atendente de mercado, que a destrata e finge não escutar suas perguntas é no mínimo revoltante.
Vitória é a típica mulher idosa brasileira, trabalha para se sustentar, infelizmente é sozinha e não tem ninguém para cuidar dela, além de se virar sozinha, Vitória mora em um local perigoso, do lado do morro, sua janela registra toda violência acontecida dentro da favela, incomodada, Vitória vai até a polícia e pede ajuda, porém, sendo uma mulher idosa e negra (sim era uma mulher negra) ela é ignorada, irritada com o descaso da própria policia Vitória trata de conseguir provas para que a polícia faça algo com uma câmera que ela compra.
A falta de preocupação da policia com uma pessoa idosa em um local que é basicamente alvo para o tiroteio é o reflexo da preocupação da sociedade com a saúde e as necessidades de uma pessoa de idade avançada, sempre que eu via a cara do sargento eu conseguia o ver pensando “já está velha, se morrer ninguém iria se importar” e infelizmente creio que muitas pensam dessa maneira.
Vitória só começa a ser vista quando um jornalista chamado “Fábio” interpretado por Alan Rocha, vê as fitas e enxerga a ela e tudo o que ela tem passado.
Trazendo todos esse contexto para os nossos dias, com que frequência nós jovens costumamos enxergar pessoas com idade avançada como pessoas? E não como os idosos que roubam o seu assento no busão? (Só queria lembrar que o INSS no Brasil mal paga as contas de uma casa, provavelmente esses idosos também estavam trabalhando para conseguir sobreviver.)
Todos tem medo de envelhecer, mas o que fazemos para que essa insegurança desapareça?
Noticias envolvendo abandono ou o trabalhos designados especialmente para idosos para que eles consigam sobreviver, tem ficado cada vez mais frequentes, no Japão há estabelecimentos próprios para o trabalho de pessoas idosas, para que elas possam ter dinheiro. Afinal, idosos que não trabalham são mal vistos, mas se pedem por oportunidades são chamadas de incapazes, quão hipócrita somos para negar que eles precisam sim de ajuda do estado?
Queira ou não um dia todos envelhecem, e creio que na situação atual do Brasil sua ultima preocupação deve ser aonde você vai por Botox primeiro.
(Não sou uma idosa desabafando, só alguém com 16 anos que pensa demais. Por isso também quero dizer que idosos não são seres intocáveis, quem quer respeito também se deve dar o respeito e isso é o básico para todos.)
Lembro que durante algumas partes do filme eu e minha mãe chamamos Vitória de afrontosa, mas se as pessoas não te escutam quando você fala baixo, a única maneira de ser ouvida é gritando, mesmo que isso incomode quem está ao redor.
Em muitos momentos em que Vitória afronta pessoas que tecnicamente são “maiores” que ela -como o capitão ou o dono do morro- consegui enxergar minha avó. Idosos não tem vergonha de ser quem são, e muito menos de incomodar quando querem ser vistos, talvez porque ninguém costuma prestar atenção em neles, talvez porque ser visto é mais difícil do que parece quando você não serve para movimentar dinheiro. Ou porque as pessoas não se lembrem das baratas até que elas comecem aparecer na frente delas.
A Metamorfose de Franz Kafka sempre costuma me levar até esse pensamento, quanto Samsa acorda como uma barata, um ser tão repugnante e nojento apenas por não conseguir trabalhar e dessa forma movimentar dinheiro para cuidar da sua família ele é descartado como se nunca tivesse feito algo na vida, idosos são baratas, mas o estado não as mata, na verdade eu o imagino colocando um pote em cima deles e jogando Baygon dentro, é cruel, mas quem liga para baratas?
Obrigada por ler até aqui ;)